Opinião
Precisamos nos preparar para a amortalidade
Raul Canal é presidente da Sociedade Brasileira de Direito Médico e Bioética (Anadem)
Raul Canal é presidente da Sociedade Brasileira de Direito Médico e Bioética (Anadem)

A palavra “amortal” significa aquele cuja vida durará para sempre (do ponto de vista biológico e por meio da manipulação fisiológica), desde que não seja vítima de um traumatismo fatal. Portanto, “amortal” tem um significado diferente de “imortal”, esse último é designado à pessoa que não morrerá, independente do que aconteça.

O biogerontologista britânico Aubrey de Grey, em sua obra “O Fim do Envelhecimento”, explica como surgiu o conjunto de ideias que ele batizou de Strategies for Engineered Negligible Senescence (SENS), em português “Estratégias para a Senescência Negligenciável Projetada”, que é um conjunto de propostas de terapias para rejuvenescer o corpo, sendo que cada uma delas repara um dos tipos de danos moleculares e celulares, como privação de oxigênio; isquemia; agentes físicos, como queimaduras e radiação solar; agentes químicos, como álcool e medicamentos; e agentes infecciosos, como vírus. 

Inúmeras empresas já estão se aprofundando nas propostas do pesquisador britânico, a fim de tornar disponível, nos próximos anos, uma nova geração de medicamentos e de terapias contra o envelhecimento não apenas externo, mas, principalmente, o interno e profundo, que tanto afeta nossa saúde e nos faz padecer das doenças associadas ao envelhecimento do organismo humano.

Já faz mais de 20 anos que se sabe que as marcas epigenéticas têm um papel relevante no envelhecimento. A descoberta recente é que a reativação de quatro genes que estão ativos apenas em células embrionárias é capaz de erradicar as marcas epigenéticas de células envelhecidas, transformando-as em células jovens.

Ainda em 2011, a pesquisadora Laure Lapasset, do Instituto de Genômica Funcional de Montpellier, reproduziu um experimento utilizando células humanas provenientes de indivíduos centenários, demonstrando que a ativação desses genes também rejuvenescia células humanas de qualquer idade.

Como se sabe, à medida que envelhecemos, a capacidade de reparação tecidual declina. Diversos pesquisadores testaram a técnica em animais saudáveis de meia idade, nos quais as células responsáveis pela produção de insulina haviam sido removidas, ou naqueles com lesão muscular provocada por veneno de cobra. Mais uma vez ficou comprovado que a ativação desse conjunto de genes embrionários provocou uma melhor recuperação dos distúrbios metabólicos e, consequentemente, uma recuperação mais rápida do tecido muscular.

Chega-se, portanto, à conclusão de que a ativação controlada de genes embrionários, levando à erradicação parcial das marcas epigenéticas, pode provocar o rejuvenescimento de, pelo menos, alguns órgãos e tecidos. Porém, é de suma importância lembrar que a erradicação das marcas epigenéticas pode reverter as células às suas características embrionárias e modificar sua capacidade reprodutiva, aumentando a possibilidade de ocorrência de tumores, notadamente os teratomas.

Assim, a possibilidade científica da amortalidade parece estar cada vez mais próxima. Não se trata de teorias acadêmicas ou achismos diversos, mas de ciência pura, estudos com células-tronco, inteligência artificial, regeneração tecidual e terapias imunológicas. No meio científico, essa hipótese não é tratada como “se”, mas, sim, como “quando”. Diante disso, o que se torna imperativo é o início da discussão sobre as diversas questões éticas e de direito advindas deste futuro cada vez mais próximo.

*Raul Canal é presidente da Sociedade Brasileira de Direito Médico e Bioética (Anadem), especialista em Direito Médico e mestre em Regeneração Tecidual pela Unifesp.

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